O argumento do médico Paulo Porto de Melo de que, por ser neurocirurgião e ter estudado na Universidade Harvard, não poderia ser associado à disseminação de fake news sobre a Covid-19 foi rejeitado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).
A 8ª Câmara de Direito Público não aceitou recurso movido por ele, que pedia indenização de R$ 70 mil por danos morais contra a Secretaria de Saúde de São Paulo. O órgão havia publicado no Instagram uma checagem para desmentir informações sem respaldo científico compartilhadas pelo médico nas redes sociais, o que o desagradou. Em julgamento de primeira instância, em fevereiro, o neurocirurgião já havia perdido a causa – e havia sido condenado a pagar R$ 7 mil por honorários.
A informação falsa foi publicada em vídeo no YouTube que circulou em grupos de WhatsApp no ano passado. Nele, o médico Paulo Porto de Melo respondia a perguntas enviadas por seguidores. Questionado sobre qual intervalo deve ser respeitado entre uma infecção pelo coronavírus e o recebimento da vacinação, ele diz: “Quem teve a doença está imunizado pela própria doença”.
Atualmente, o neurologista tem 147 mil seguidores no Instagram e 112 mil inscritos em seu canal principal no YouTube.
Diante da circulação do trecho com a afirmação que não encontra respaldo nas recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e de outras autoridades sanitárias, a Secretaria estadual de Saúde postou uma checagem em seu perfil no Instagram. Com a chamada “fake news”, a postagem trazia uma reprodução do vídeo com o rosto do médico e desmentia que a infecção por Covid-19 gerava resposta imune capaz de dispensar a vacina.
A recomendação do Ministério da Saúde é que a aplicação da vacina contra a Covid-19 aconteça a partir de 30 dias após o início dos sintomas – ou de um teste positivo para a doença, nos casos assintomáticos. A orientação é válida para qualquer uma das doses do imunizante.
O médico processou a Secretaria e pediu uma indenização de R$ 70 mil por danos morais sob a justificativa de que a checagem o “angustiou profundamente” e a repercussão “maculou a imagem e a credibilidade do renomado cientista”. Nos comentários da postagem, ele recebeu críticas, mas também foi defendido em centenas de mensagens.
A Justiça entendeu que a Secretaria não extrapolou a liberdade de expressão nem viu provas de que a publicação teria causado humilhação ao médico. Pelo contrário, seria “necessário e urgente” que a administração publica agisse contra fake news, diante do cenário pandêmico. O critério do governo em desmentir dados que contradigam orientações das autoridades de saúde também seria razoável.
O relator, Antonio Celso Faria, considerou que houve mero dissabor, um aborrecimento trivial, mágoa ou irritação, que, em situação de instabilidade não intensa e duradoura, não configura dano moral.
O desembargador José Maria Câmara Junior, em declaração de voto convergente, apontou ainda que diretrizes do Conselho Federal de Medicina sequer foram seguidas pelo médico no vídeo.
“O vídeo não possui caráter informativo ou de esclarecimento. A pessoa que se denomina ‘Ana Paula’ [que enviou a pergunta] perguntou dela mesma, do avó de 97 anos e da mãe de 73 anos, especificamente, e sem conhecer o histórico médico deles, o autor contraindicou a vacinação, destacou existir risco de tomar a vacina após terem contraído o vírus e pediu o vídeo fosse compartilhado ‘para ajudar mais pessoas’”, afirma. .
Ele também não fez ressalvas quanto a entendimentos diversos sobre a imunidade obtida após a infecção pela Covid-19, tema ainda debatido pela comunidade científica. Ainda segundo o relator, a postura do médico poderia levar às pessoas a interpretação dele como verdade absoluta, quando, na verdade, não é opinião majoritária.
Com a negativa ao recurso, além dos R$ 7 mil que Porto deve pagar pelo julgamento em primeira instância, foram acrescidos mais R$ 1,4 mil à pelo trabalho adicional em grau recursal.
Porto deve recorrer. “Vamos levar para o Superior Tribunal de Justiça e, se for necessário, até a Corte Interamericana de Direitos Humanos”, diz o advogado Emerson Grigolette, que representa o médico na ação.
“Tudo o que ele diz foi baseado em estudos, então não teria o porquê de ser rotulado como conteúdo fake. Além disso, o uso da imagem foi desnecessário. O acórdão se baseou apenas no que diz a OMS, o que desconsidera a soberania do país; e a própria OMS reconhece a autoridade médica para fazer recomendações do que considerar adequado”, avaliou.
Em relação à vacinação, o entendimento da OMS sobre a necessidade de receber as doses mesmo que já tenha contraído a Covid-19 é o mesmo do Ministério da Saúde, que orienta as medidas sanitárias no país.
O processo tem o número 1051288-73.2021.8.26.0053.
Fonte: JOTA. Leia matéria completa.