A inteligência artificial (IA) já faz parte das nossas vidas, seja nos muitos aplicativos que usamos no dia a dia, nos serviços de streaming de filmes e em tantas outras situações. O Brasil, até o momento, no entanto, não tem arcabouço legal ou jurídico específico para a aplicação de tais ferramentas.
Se, por um lado, os exemplos mencionados não parecem trazer grandes controvérsias, há casos em que a IA carrega maior responsabilidade, dado o risco que podem trazer ao usuário – como o comando de carros autônomos ou, principalmente, na área da saúde.
Algoritmos que empregam aprendizado de máquina ou deep learning geralmente usam dados relacionados à saúde (taxas de glicemia, níveis de pressão arterial e ritmo cardíaco, por exemplo), colhidos por sensores ou vestíveis, ou imagens (exames radiológicos, fotografias do fundo do olho) para otimizar o controle clínico e tratamentos. No caso de pacientes com diabetes que necessitem de insulina, por exemplo, os chamados “pâncreas artificiais” (que são sistemas de alça fechada) oferecem um enorme benefício ao entregar doses pré-programadas.
No entanto, esta tecnologia, ainda que possa melhorar a qualidade de vida do paciente, traz potenciais riscos. A entrega de doses erradas de medicamentos, por exemplo, pode representar risco de vida. Desta forma, é fundamental submeter tais ferramentas a testes de segurança e eficácia e que haja regras rígidas de indicação e uso (o que já vale para novas drogas ou vacinas). Tais testes podem ser realizados por meio de estudos clínicos, com o auxílio de universidades ou sociedades médicas, que podem conduzir, supervisionar ou avaliar os resultados.
Os riscos provenientes do emprego de tais ferramentas devem ser categorizados, já que algumas aplicações trazem maior potencial de dano. Adicionalmente, a formulação de regras de boas práticas para aplicação da IA é outro fator central. Finalmente, há a questão da responsabilidade decorrente de eventuais resultados adversos do uso da inteligência artificial em saúde. A formulação de regras claras para todos esses aspectos é fundamental para que a sociedade possa usufruir dos exponenciais benefícios prometidos pelas novas tecnologias.
A Câmara dos Deputados aprovou em 2021, em regime de urgência, o PL 21/2020, que estabelece princípios, direitos e deveres para o uso de inteligência artificial. O projeto agora tramita no Senado Federal – que criou uma comissão de juristas para debatê-lo – e, além disso, foi criada a Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial, formada por membros do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações e outros órgãos de governo, além de representantes de associações setoriais e da sociedade civil.
Médicos e profissionais de saúde em geral devem ser considerados atores fundamentais para tais formulações, justamente por conhecerem bem os potenciais riscos e benefícios da IA aplicada à saúde. Desenvolvedores, indústria, especialistas em ética, usuários finais e agências regulatórias também têm de participar deste debate.
Sendo o diabetes uma condição crônica cujo manejo é intimamente ligado às novas tecnologias, e dado que a área da saúde não tem tido até aqui representação proporcional à sua importância, a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) vem buscando inserção neste debate. Nesta quarta-feira (29), pouco depois do Dia Nacional do Diabetes (26), haverá uma reunião entre representantes da SBD e da Gerência Geral de Tecnologia de Produtos para Saúde da Anvisa para buscar essa inserção.
O Código de Ética Médica declara que “a medicina será exercida com a utilização dos meios técnicos e científicos disponíveis que visem aos melhores resultados”. Tal código dá sólida base para o emprego de novas tecnologias. Aplicá-las de forma responsável e segura certamente proporcionará mais qualidade, eficiência e acesso a serviços de saúde no Brasil – contribuindo inclusive para reduzir disparidades e promover a equidade. O debate para regulamentar a inteligência artificial no Brasil deve levar esses aspectos em conta. A SBD quer e pode iniciar um protagonismo nesta área e levar consigo toda a classe médica para esta discussão.
Fonte: JOTA. Leia matéria completa.