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Projeto de lei sobre gratuidade em perícias dificulta acesso à justiça

Aprovado pela Câmara dos Deputados, chegou ao Senado o PL 3.914/2020, que, diante de um problema grave de custeio das perícias médicas nos Juizados Especiais Federais (JEFs), pretende transferir essa despesa às pessoas que demandam no Judiciário.

A prevalecer o texto, o segurado será responsável por custear a perícia médica em ações contra o INSS nos casos de benefícios por incapacidade. Em relação aos hipossuficientes econômicos, a proposta também inova ao criar uma 2ª classe de gratuidade de justiça, extremamente restritiva em relação ao que já consta no Código de Processo Civil. Se transformado em lei, o projeto tende a facilitar o indeferimento de petições e dificultar o acesso à justiça.

A lógica que orienta o funcionamento dos JEFs é a do amplo acesso à justiça, tendo em vista o microssistema dos juizados especiais. Assim, o ato de demandar é essencialmente gratuito – no que toca às custas processuais e honorários advocatícios no primeiro grau de jurisdição. Este aspecto é fundamental ao sistema e representa um avanço civilizatório alcançado pela legislação, que garante justiça gratuita nas causas de menor complexidade.

Desvirtuando o sentido normativo, o PL 3.914 somente assegura a gratuidade das perícias médicas nos Juizados Especiais Federais às pessoas que se mostrarem duplamente miseráveis: terão de demonstrar atender aos requisitos do beneficiamento de assistência judiciária gratuita e do pertencimento comprovado à família de baixa renda – renda mensal per capita de até meio salário mínimo ou três salários mínimos por núcleo familiar. Ou seja, às custas do acesso à justiça, surgirá uma 2ª classe de gratuidade de justiça, no momento em que a sociedade em geral se encontra vulnerabilizada e empobrecida.

Para a Defensoria Pública da União (DPU) e para a advocacia, bem se sabe que a prova da miserabilidade não é simples, o que poderá comprometer outro pilar dos juizados especiais: a celeridade. As pessoas terão que provar, preliminarmente, que se encontram em situação de extrema pobreza para que possa o mérito de suas causas ser analisado pelo Judiciário. Quando se pretende instituir requisitos restritivos de miserabilidade, a vulnerabilidade socioeconômica transborda para a relação processual. Será preciso demonstrar que não se tem renda, que se padece da doença social da miséria – algo que também assumiu o perfil pandêmico.

Os defensores do projeto de lei destacam que, há alguns anos, os médicos peritos da Justiça Federal (que não integram o quadro do funcionalismo) não puderam receber seus honorários. O sistema quase colapsou, pois não foi possível realizar perícias médicas. O orçamento da Justiça Federal não suportou a quantidade de demandas nas quais as perícias foram solicitadas. Sem dúvida, é inaceitável que profissionais trabalhem sem receber a devida contraprestação, e é inadmissível que os JEFs entrem em colapso diante de uma questão orçamentária.

A solução para tais problemas, porém, não pode ser a transferência dos ônus econômicos para aqueles que, após terem seus benefícios indeferidos pelo INSS, buscam se socorrer pelo acesso à justiça. Pessoas incapacitadas para as suas atividades profissionais tendem a chegar às portas do Poder Judiciário já sem nenhuma renda para o sustento próprio e de sua família. A situação de vulnerabilidade é minimamente amenizada com a gratuidade de justiça.

Além disso, de forma extremamente desproporcional, o projeto de lei busca restringir a gratuidade a apenas uma perícia. Se houver qualquer equívoco no procedimento, não será possível solicitar outra de forma gratuita. O PL permite também que o juízo devolva a causa ao INSS para a realização de nova perícia quando o segurado não tiver recorrido administrativamente, o que vulnera o princípio da inafastabilidade da jurisdição.

Como se não bastasse, o texto institui ainda um mini código de processo previdenciário ao prever requisitos complicados de atender na petição inicial, de modo a criar mais obstáculos para o acesso à justiça, assim como comprometer a independência do Poder Judiciário neste âmbito.

Por todos esses motivos, confia-se que o Senado alcançará uma solução, resolvendo o problema sem o comprometimento de direitos fundamentais tão caros, como o acesso à justiça.

Fonte: Jota. Leia matéria completa.

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