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Novas formas de campanha eleitoral no ambiente digital e a LGPD 

No período eleitoral, o compartilhamento de informações se intensifica em todos os espectros políticos, especialmente no ambiente digital, que se tornou o espaço mais ativo durante o pleito, com alto potencial de propagação. Ocorre que este é um fenômeno atual e mutável, que representa um desafio para as estruturas democráticas – em especial para a rigidez das leis.

O processo de redemocratização brasileira foi realizado sem que pudéssemos antecipar o amplo acesso à internet e seus impactos no tecido democrático, eis que até meados dos anos 1990 era reservado ao uso acadêmico e militar. Assim, a legislação eleitoral limitou-se a regular os meios tradicionais de comunicação de massa, como as propagandas televisivas e de rádio – ambos operados mediante concessões públicas, o que tornava a regulação simples e de fácil legitimação, e as punições mais fáceis de serem aplicadas. Além disso, a legislação eleitoral permitia a manutenção de certa isonomia entre os candidatos (ou ao menos proporcionalidade).

Apesar de contarem com grande poder econômico e político, os meios tradicionais vêm perdendo espaço para os digitais, que se mostram vantajosos em diversos aspectos. A prometida isonomia cedeu espaço à desigualdade dos meios digitais, que apesar de prometerem um campo de disputas acessível a todos, acabam sendo mais atrativos para quem possui poder econômico e sabe operá-lo, podendo gerar distorções na qualidade democrática brasileira.

Para mencionar um exemplo recente, o Telegram, que permite criação de canais sem limites de afiliados, gerou preocupações que culminaram na sua suspensão temporária. Para exemplificar o alto potencial de propagação, segundo informações da empresa, 100 canais são responsáveis pelas visualizações de 95% do conteúdo público – denotando a concentração dos olhares. Boa parte destes canais é composto por grupos da extrema direita e apoiadores do presidente da República. O Telegram, que até então não tinha representação judicial no Brasil, evitou o contato com o STF até que a medida austera do ministro Alexandre de Moraes ganhou a mídia, expondo as limitações técnicas a que fica subordinado o Poder Judiciário em casos que envolvem a rede mundial de computadores.

Assim, o modelo regulatório existente começou a demonstrar rachaduras, já que as regras estabelecidas não abarcavam todas as possibilidades criadas com as campanhas digitais e as novas formas de circular e consumir informação. No campo político, houve um deslocamento da construção de narrativa, já que a seleção de pautas, conteúdos e informações, definição de formatos e agenda, antes concentradas quase que exclusivamente nas mãos das poucas emissoras, deu espaço a uma realidade em que qualquer usuário da internet pode ser um emissor de informações no ambiente virtual. Ademais, criou-se a possibilidade de alta segmentação de informação a públicos específicos, através dos modelos de negócio baseados em dados (microtargeting), em especial com a autorização em 2015 do impulsionamento nas campanhas eleitorais.

Era de se esperar que com o significativo crescimento esse ambiente não ficasse desamparado de regulamentação – que veio de forma paulatina e tímida. Ocorre que não estávamos totalmente preparados para a modificação da racionalidade regulatória, que reside especialmente no fato de que esses intermediários não mais definem as pautas ou criam conteúdos, mas estruturam um ambiente propício e dão condições e infraestrutura necessárias para que os usuários o façam – como ocorre, amplamente, nas plataformas de redes sociais. Assim, a responsabilização e o acesso demonstraram-se mais dificultosos.

Há de se reconhecer, no entanto, que essas demandas e dinâmicas não são exatamente novas: observamos no mundo todo um crescente investimento nas campanhas digitais e seus impactos democráticos, a exemplo das eleições de Barack Obama e Donald Trump nos EUA.

Enquanto Obama foi aclamado pela inovação em matéria de propaganda eleitoral; Trump atraiu os olhares pelo mau uso das mesmas plataformas, abusando de serviços como disparo de mensagens e do microdirecionamento de anúncios por plataformas como Google e Facebook. A empresa responsável foi a mundialmente famosa Cambridge Analytica, que pouco tempo depois foi alvo de investigações relacionadas à manipulação das eleições.

No Brasil, o uso de estratégias digitais data do referendo pela proibição de comercialização de armas de fogo, em 2005, e as crescentes manifestações de junho de 2013. Mas foram nas eleições de 2018 que se tornaram mais intensas: um dos reflexos é o fato de que diversos cargos foram ocupados por candidatos que não tinham o maior tempo de TV, como o atual presidente.

A campanha de Bolsonaro contou apenas 8 segundos do tempo de TV, mas uma pungente infraestrutura de propaganda em rede, com destaque para os grupos de WhatsApp administrados pela própria campanha ou pela militância, bem como pelos disparos massivos pelo aplicativo em benefício do candidato – resultando no reconhecimento pelo TSE da propagação de fake news. As sanções, no entanto, foram inexistentes ou irrisórias.

Seguindo uma tendência mundial, no Brasil foi sancionada em 2018 a LGPD, que, inspirada largamente no ordenamento europeu (GDPR) adotou um modelo regulatório horizontal, aplicável inclusive ao setor público. Apesar da incorporação da norma pelo TSE nas resoluções eleitorais sobre propaganda, o cenário para o próximo pleito ainda é pouco previsível.

A resolução aprovada pelo Tribunal Superior Eleitoral incorporou aprimoramentos e atualizou as regras para o pleito no que tange à propaganda eleitoral na internet e por meio de aplicativos de mensagens. Além disso, estabeleceu como punição prisão de dois a quatro anos e multa de R$ 15 mil a R$ 50 mil para quem contratar pessoas para enviar mensagens ou comentários ofensivos à honra ou imagem de candidato, partido, federação ou coligação.

Outros pontos importantes relativos à LGPD são as determinações para que: sejam respeitadas as finalidades para as quais os dados foram coletados; sejam observadas as hipóteses legais de tratamento; e sejam garantidos um tratamento adequado aos dados considerados sensíveis – o que deve ser também respeitado no ambiente eleitoral. Foi inserida, ainda, a previsão de proibição de disparo de mensagens em massa sem o consentimento da pessoa destinatária.

Quanto à moderação de conteúdo, há muito se observa um esforço por parte do TSE no combate à desinformação. O diálogo tem intenção de aperfeiçoar os canais de comunicação com a Justiça Eleitoral e traçar pontos de ação concretos na política de moderação e direcionamento de conteúdo das plataformas. Diante disso, é necessário acompanhar as alterações legislativas que regulamentam o tema e ficar atento a propostas como o PL 2630/2020 (PL das Fake News), que pretende flexibilizar a obrigação de transparência das empresas nas decisões tomadas, o que prejudica os usuários, que ficam às cegas sobre os procedimentos de moderação de conteúdo, o que seria um retrocesso.

Há de se considerar que deve ser incluído no PL das Fake News um tipo penal específico para casos mais graves – o projeto prevê a extensão da imunidade parlamentar às redes, o que tem sido apontado como ponto de atenção.

Em resumo, com a mudança de telas, as campanhas eleitorais foram transformadas. Em pouco tempo, a legislação precisou incorporar as novas demandas da estrutura da rede e se adequar às campanhas segmentadas. Os erros e acertos do restante do mundo serviram de exemplo e foram replicadas em território nacional. Com isso, e seguindo a tendência internacional, foram incorporadas às Resoluções do TSE disposições relativas à proteção de dados e à propaganda eleitoral no ambiente digital.

Essas alterações trazem uma perspectiva um pouco mais otimista para os próximos pleitos, já que começam a preencher lacunas de violações de direitos fundamentais envolvendo dados pessoais e impasses democráticos, além da veiculação de notícias falsas – mas será preciso mais para resolvê-las.

Fonte: JOTA. Leia matéria completa.

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