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Nanotecnologias e proteção dos dados pessoais: um diálogo necessário

A história das nanotecnologias[1] não é nova. O prefixo “nano” tem inspiração no grego, nanos, que na língua dos antigos helenos significa anão, e, no contexto científico, um nanômetro (nm) corresponde à bilionésima fração do metro (10-9 m).

As nanotecnologias consistem principalmente no processamento de separação, consolidação e deformação de materiais por um átomo ou uma molécula, resultando na produção e aplicação de estruturas, dispositivos e sistemas que operam em escala nanométrica.

Para se ter uma ideia de quão ínfimas são as dimensões nesse campo científico, basta lembrar que um único fio de cabelo humano tem cerca de 80.000 nm, um glóbulo vermelho tem aproximadamente 7.000 nm, uma molécula de DNA de 2 a 2,5 nm e uma molécula de água aproximadamente 0,3 nm.

O termo “Nanotecnologia” foi cunhado por Norio Taniguchi na Universidade de Tóquio em 1974, mas sua base conceitual foi estabelecida após a seminal palestra “Plenty of Room at the Bottom” (“Há muito espaço lá embaixo”),[2] proferida por Richard Feynman em dezembro de 1959 durante o evento anual da American Physical Society no Instituto de Tecnologia da Califórnia.

Na ocasião, Feynman argumentava que já no final da década de 1950 as leis da física possibilitavam diminuir a matéria em escalas mínimas, sendo possível escrever todas as informações que a humanidade havia acumulado em livros e textos num cubo de material com um centésimo de polegada de largura, tamanho relativo ao menor pedaço de poeira perceptível pela visão humana. O que não se tinha era a tecnologia necessária para tais fins.

Desde 1965, os ensinamentos de Feynman aliados à lei de Moore vêm guiando uma produção industrial voltada ao desenvolvimento de dispositivos cada vez menores no intuito de melhor desempenho de computação e eficiência energética. Nesse trilhar, na década de 1980, deu-se a materialização de grande parcela dos estudos de Feynman. Período no qual vertiginosos progressos do conhecimento humano viabilizaram o encontro de ciências exatas e cognitivas no desenvolvimento de estudos de sistemas funcionais de moléculas em escala nanométrica.

Em 1981, na comuna de Rüschlikon, Zurique (Suíça), as pesquisas desenvolvidas por Gerd Binnig e Heinrich Rohrero deram origem ao microscópio de tunelamento de varredura (Scanning Tunnelling Microscope – STM),[3] que possibilitou inéditos estudos de átomos e ligações individuais, bem como a posterior manipulação de átomos singulares em 1989. O STM, ao possibilitar fotografias de superfícies de materiais em nível atômico, abriu as janelas para o nanomundo.

No Brasil, no mesmo período, o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) discutia sobre a necessidade de formação de físicos experimentais e a criação de uma fonte de luz síncrotron.[4] Os debates levaram o Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) e o Centro Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) a conceber o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), inaugurado em 1997, responsável pela primeira fonte de luz síncrotron do Hemisfério Sul.[5]

Os avanços com as nanotecnologias permitiram que os menores recursos dos circuitos integrados mais avançados de hoje fossem reduzidos a uma escala atômica. Em linhas gerais, é possível afirmar que existem duas abordagens para a síntese de nanoestruturas, independentemente do campo de aplicação: a abordagem bottom-up, envolvendo a manipulação de átomos e moléculas para nanoestruturas e a top-down, na qual são empregadas técnicas de miniaturização de materiais e substâncias.[6]

O avanço das nanotecnologias nos faz refletir que a aproximadamente a cada vinte anos, revoluções industriais começam no mundo de forma silenciosa e acabam influenciando a humanidade. É a inovação disruptiva. Assim, entre 1771 e 1800, ocorreu a revolução têxtil, que durou até 1853. Seguiu-se a da ferrovia e da máquina a vapor, entre 1825 e 1853, até sua generalização em 1913; entre 1886 e 1913 iniciou-se a indústria automobilística, que durou até 1969; entre 1939 e 1969 foi a vez dos computadores. Essas quatro revoluções industriais mudaram o mundo conhecido e agora, de 1997 até 2025, acredita-se ser a vez daquela baseada na manipulação da matéria em escala atômica, molecular e supramolecular.[7]

As aplicações das nanotecnologias à medicina e à biologia permitem a interação e integração de células e tecidos com substratos de nanoengenharia em um nível molecular (ou seja, subcelular) com um grau muito alto de especificidade e controle funcional.[8]

Nessa esteira, uma importante preocupação ética sobre os impactos sociais das nanotecnologias diz respeito à proteção dos dados pessoais. As nanotecnologias possibilitam a coleta, manipulação e monitoramento de grandes quantidades de dados oriundos das atividades celulares e eventos bioquímicos de órgãos, tecidos ou células individuais, e até mesmo a transferência dessas informações para bancos de dados localizados em diferentes jurisdições.[9] No Brasil, em particular, isso acarreta um sério desafio à proteção dos dados pessoais sensíveis relativos à saúde, genéticos ou biométricos,[10] especialmente quando se considera a integração de sistemas de inteligência artificial a complexos bancos de dados pessoais, bem como a grande facilidade com que as informações podem ser processadas, armazenadas e compartilhadas na era digital.

Em descompasso com as preocupações que circundam o assunto, o projeto de lei brasileiro sobre o Marco Legal da Nanotecnologia (PL 880/2019)[11] ao dispor sobre estímulos ao desenvolvimento científico, à pesquisa, e à capacitação científica e tecnológica na área de nanotecnologia, ao longo dos seus quinze artigos, não faz qualquer menção a direitos fundamentais como intimidade, privacidade e proteção dos dados pessoais,[12] tampouco à lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e,[13] como consequente, desconsidera atividades de tratamento de dados pessoais desenvolvidas por meio de dispositivos nanotecnológicos de natureza ubíqua e seus reflexos nas relações sociais e fluxos informacionais.

Em contrapartida, no intuito de obstruir antinomias e efetivar direitos fundamentais de liberdade, privacidade e proteção dos dados pessoais, tem-se no art. 64 da LGPD[14] relevante abertura dialógica entre o texto normativo e legislações atinentes às inovações tecnológicas referentes ao assunto, como é o caso do Marco Legal da Nanotecnologia.

Dispositivos de nanotecnologia e materiais em nanoescala possibilitam muitos benefícios sociais, mas também ameaçam direitos do titular dos dados pessoais.[15] Agir antes da adoção de inovações de nanotecnologias pode permitir minimizar riscos e problemas sociais, em razão de que essa tecnologia pode permitir poucas ou limitadas oportunidades para fazer correções em períodos posteriores à sua difusão e implementação.

Processos tecnológicos contínuos, como a miniaturização de sensores, suscitam novas questões éticas, principalmente quando ameaçam direitos e liberdades fundamentais. Por exemplo, dispositivos nanotecnológicos que atuam além do limite da percepção sensorial humana podem causar alterações nas capacidades biológicas e cognitivas e violar a privacidade e a autodeterminação informativa do titular por meio de sistemas de vigilância praticamente imperceptíveis.[16]

Ao examinar os potenciais riscos à privacidade e proteção dos dados pessoais que as nanotecnologias podem trazer, é importante determinar que tipo de barreiras técnicas, éticas e legais definirão as normas para o uso dessas tecnologias. O Marco Legal da Nanotecnologia traz frutífera oportunidade para aprofundamento dos debates.

Fonte: JOTA. Leia matéria completa.

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