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MPF quer derrubar nacionalmente limite da ANS a sessões para autistas

O Ministério Público Federal (MPF), por meio da 3ª Câmara de Coordenação e Revisão (Consumidor e Ordem Econômica) e da 1ª Câmara (Direitos Sociais), trabalha para derrubar, em âmbito nacional, o limite de sessões de terapias multidisciplinares para autistas regulado pela Agência Nacional de Saúde (ANS). O tema tem sido recorrente em diversos tribunais pelo país e a limitação já está suspensa em alguns estados.

O objetivo é unificar o entendimento sobre a questão. De acordo com o procurador da República Hilton Melo, coordenador do grupo de trabalho Planos de Saúde, da 1ª Câmara do MPF, na maioria dos estados há procedimentos abertos por procuradores. “A gente sabe, o próprio MPF é consciente disso, do risco de a gente ter uma série de decisões contraditórias”, afirmou ao JOTA.

No entendimento do procurador, há uma “flagrante violação” aos direitos fundamentais decorrentes na atual normativa da ANS e ela não confere o prestígio previsto no ordenamento jurídico à prescrição médica. “Não há como a gente reconhecer qualquer tipo de limitação para esse tratamento que não seja aquela que o médico prescreve”, afirmou.

A cobertura mínima obrigatória pelos planos de saúde estabelecida pelas Diretrizes de Utilização (DUT) da reguladora é de 96 sessões de fonoaudiologia por ano de contrato. No caso de sessões de psicoterapia ou terapia ocupacional, o limite é de 40 por ano de modo geral, porém, pode ser, respectivamente, de 18 e de 12 sessões, a depender do diagnóstico.

Para fisioterapia, a previsão é de duas consultas por ano. Não há definição específica sobre sessões, apenas três procedimentos sem limite de sessões que podem ser prestados por médicos fisiatras ou fisioterapeutas quando houver prescrição médica.

Estados têm suspendido limite de sessões para autistas

Em maio, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) decidiu, em caráter liminar, que os planos de saúde devem cobrir o tratamento integral de pessoas no espectro autista. A decisão atendeu a pedido do Ministério Público feito em uma ação civil pública (nº 5003789-95.2021.4.03.6100) ajuizada em fevereiro e tem efeito apenas para o estado. 

Na sentença publicada em 21 de maio, o juiz federal determinou que as operadoras devem cobrir tratamento integral dos beneficiários no espectro autista, mas decidiu que a ação fique sobrestada até que haja uma definição pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), que julga um recurso do MPF para dar eficácia nacional a uma decisão similar no estado de Goiás.

Decisões semelhantes à do tribunal paulista foram concedidas em Goiás, Alagoas e Acre. Devido a essas sentenças também em ações civis públicas (nº 1005197- 60.2019.4.01.3500, nº 1004183-52.2020.4.01.3000 e n° 0801397-09.2021.4.05.8000) movidas pelo MPF contra a ANS, os limites estabelecidos pela normativa da agência já estavam suspensos nos três estados.

Em abril, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que sentenças proferidas em ACP não devem se limitar ao território do órgão prolator da decisão, e sim alcançar todos que possam se beneficiar em território nacional. O entendimento foi fixado no julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.101.937-SP, com repercussão geral.

O voto do relator, ministro Alexandre de Moraes, foi acompanhado pelos ministros Nunes Marques, Edson Fachin, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes, formando maioria. Com o julgamento, ficou suspensa a liminar que restringia os efeitos das decisões em ACP.

Com esse argumento e com o objetivo de acabar com o limite de sessões para tratamento de portadores do Transtorno do Espectro Autista (TEA) em todo o país, o MPF retomará a ação originária, do estado de Goiás. O processo aguarda julgamento de apelação no TRF1. “Logo após a mudança do entendimento do Supremo, já houve a apresentação de um memorial junto ao TRF para que a gente aprecie com maior urgência a questão do pedido da eficácia nacional”, afirmou ao JOTA o procurador Hilton Melo.

De acordo com o coordenador do grupo de trabalho Planos de Saúde, será elaborado um novo memorial, em conjunto com a 3ª Câmara, para conferir uma tutela de urgência recursal. Dessa forma, ainda que no TRF não seja julgado o mérito, poderia haver uma decisão liminar para suspender limites de sessões. “A maior expectativa que nós temos é que não haja uma multiplicação de ações para tratar sobre o mesmo tema”, afirmou. 

Além da atuação do Ministério Público, Melo lembrou que tanto Defensorias Públicas quanto entidades de defesa poderiam mover ações com o mesmo objetivo. Já há também decisões favoráveis a beneficiários em processos julgados na primeira instância contra operadoras de planos de saúde.

Para o procurador, a limitação da abrangência dos julgados em ACPs não era resolutiva. “Não interessa aos consumidores, não interessa às operadoras e não interessa à agência, porque a regulação fraca não interessa para ninguém. Só para falar do MPF, a gente pode ter 27 cabeças pensando diferentes, com 27 juízes pensando diferente do que poderia dar, do grau, da tutela, e a gente acaba tendo uma colcha de retalhos”, criticou.

No entendimento de Melo, o sistema constitucional de direito à saúde, assim como o sistema de proteção ao consumidor, e a legislação sobre a saúde suplementar preconizam que deve prevalecer o poder da prescrição médica, e não a limitação estabelecida pelos planos. “O que importa é: se o médico prescritor acreditar que um número x de sessões de fisioterapia por mês ou por ano é necessário para o atendimento daquele paciente, é esse número de sessões que precisa ser feito”, afirmou.

Revisão normativa da ANS 

À parte do julgamento do TRF, o MPF também tem apostado em uma estratégia extrajudicial. Esse foi o caminho escolhido pelo Ministério Público de Goiás antes de propor a ação civil pública, julgada em março de 2020. A petição só foi apresentada após a reguladora sinalizar que não faria uma revisão imediata da normativa.

Um ano depois do julgamento da ação originária, o Ministério Público fez uma nova tentativa. Em ofício enviado em 16 de março, procuradores recomendaram à ANS a suspensão do limite de sessões para beneficiários no espectro autista no prazo de 10 dias. Sugeriram, ainda, que a agência fizesse uma revisão definitiva desse trecho do rol, atualmente instituído pela RN 465/2021 (antes RN 428/2017), dentro de 180 dias.

Idealmente, a solução no âmbito regulatório seria preferível em comparação à esfera judicial, na perspectiva do Ministério Público. “A gente está mostrando para a agência que a gente prestigia uma regulação forte e a expertise da agência. A gente reconhece a deferência que o Judiciário deve ter, em regra, à regulação. Mas quando viola direito flagrante fundamental daqueles que o Ministério Público tem que tutelar, tem de haver uma ida ao Judiciário, caso seja necessário”, afirmou Hilton Melo.

Em resposta ao MPF, a ANS propôs a criação de um grupo de trabalho para rever a regulação, incluindo quais terapias serão contempladas. Segundo o procurador da República, uma portaria nesse sentido será publicada nos próximos dias. Fonte da agência afirma que o encaminhamento dessa discussão ainda está sendo avaliado pelos diretores. Com a publicação da portaria, começaria a contar o prazo de 180 dias para a revisão normativa.

Por uma questão protocolar, as decisões judiciais relacionadas a esse assunto sempre passam por votação na diretoria colegiada. O alerta de que a reguladora poderia ser pressionada foi feito pelo próprio procurador-geral junto à ANS, Daniel Tostes, em reunião no dia 14 de abril.

“Não é que eu esteja orientando o contrário, mas apenas para ficar o sinal de alerta em relação a um possível desdobramento desta ação civil pública com uma demanda de cumprimento um tanto mais elástica pelo Ministério Público Federal”, afirmou. 

Coparticipação ou limite do Rol? 

Outra decisão sobre o fim da limitação de sessões para autistas também pode vir pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Na última terça-feira (25/5), a 4ª Turma da Corte começou a discutir o tema no julgamento do AREsp nº 1.599.132/SP, mas a discussão foi suspensa por um pedido de vista do ministro Marco Buzzi, após o voto do relator Raul Araújo. 

Raul Araújo chegou a considerar que o caso poderia ser enquadrado na tese do recurso repetitivo 1.032 — que definiu a coparticipação nos custos de internação psiquiátrica quando ultrapassar 30 dias. Mas, posteriormente, o magistrado ponderou que os dois assuntos possuíam aspectos muito peculiares e distintos um do outro.   

Antes de a discussão ser suspensa, a ministra Isabel Gallotti também pediu a palavra e alertou que a questão tinha de ser “ muito amadurecida”. A magistrada sugeriu uma segunda abordagem: que o caso fosse enquadrado no precedente do rol de procedimentos da ANS, que para a 4ª Turma é taxativo, embora ainda não tenha sido pacificado na Corte — que atualmente possui posições frontalmente contrárias entre os colegiados de Direito Privado.

O processo discutido nesta semana chegou ao STJ por meio de um recurso da Amil. Nele, a operadora questiona a decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) que determinou que a Amil não limite o número anual de sessões de psicologia, fonoaudiologia e terapia ocupacional necessários para o tratamento de uma criança autista. 

A decisão do STJ será aplicada apenas para este caso concreto, mas merece atenção, pois pode abrir um precedente importante para o setor de planos de saúde. 

Fonte: JOTA. Leia matéria completa.

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