Logo no início da pandemia, um dos primeiros baques para o combate à Covid-19 no Brasil foi a constatação de que o país não estava em posição privilegiada na cadeia global de suprimentos em saúde. No desenvolvimento de tecnologias, a indústria brasileira seria incapaz de competir pelo pioneirismo.
Para parte do setor, esse choque de realidade deveria, a partir de agora, surtir efeitos para que se invista em reposicionar esse ramo da indústria no Brasil — inclusive como parte de uma estratégia de desenvolvimento econômico.
“Temos uma grande preocupação de que o país volte a ter uma política industrial para a saúde efetivamente funcional. É necessário para o próprio país ter uma indústria mais significativa nesse setor e isso representa a oportunidade de o Brasil se incorporar às novas redes globais de produção, abastecimento e distribuição na área de saúde”, afirma Fernando Silveira Filho, presidente executivo para Associação Brasileira da Indústria de Tecnologia para Saúde (Abimed).
“É um grande mercado, gerador de riqueza e de emprego, que já se mostrou alavanca para crescimento econômico, porque emprega mão de obra qualificada e há disponibilidade, no país, de profissionais de saúde com formação superior e nível técnico. Além disso, é preciso considerar uma oportunidade até pelo tamanho do SUS”, complementa.
Para que isso aconteça, seria preciso, na perspectiva dele, que existisse uma política industrial voltada para o setor da saúde. “É um momento para o Brasil repensar seu complexo econômico industrial para conseguir participar de maneira mais marcante do cenário internacional. Se estamos fora das grandes cadeias globais de saúde, quando é preciso, como na pandemia, entramos em uma posição assimétrica de negociação”, diz Silveira.
O período pandêmico também pressionou os preços de medicamentos, insumos e tecnologias médicas. Nesse sentido, os custos médico-hospitalares (que significa os gastos médios necessários para a cobertura de serviços de saúde) aumentaram 27,7% entre setembro de 2020 e setembro de 2021, portanto mais de o dobro da inflação do período, segundo acompanhamento do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar.
Agora, essa curva pode voltar cair – os medicamentos para hospitais, por exemplo, deixaram de encarecer. No entanto, a pandemia também acabou reprimindo a demanda por serviços de saúde – além de aqueles relacionados à Covid-19 –, que, passado o pior estágio, retornou. Isso exigirá mais dos sistemas de saúde e pode deixar menos margem para investimento em inovações.
“Em função do represamento de tratamentos, que aconteceu de maneira muito aguda em 2020 e se manteve relativamente permanente durante 2021, vai ter que ser de alguma maneira resolvido, independentemente das dificuldades macroeconômicas. A questão é o quanto os planos de saúde vão ficar mais caros, o quanto isso pode gerar de migração do SUS e se haverá capacidade de o serviço público atender toda essa demanda represada em um curto espaço de tempo”.
A crise econômica para o setor de saúde
“Em momentos assim, surgem como discussão o rearranjo de tributos. Aparecem de forma recorrente projetos de lei que visam reduzir as isenções existentes para o setor de saúde. Toda vez que isso acontece há o risco de encarecer a saúde, pois acaba onerando o SUS indiretamente e eleva custos para a população em geral, nos planos de saúde”, avalia.
“Essas mudanças têm que ser discutidas dentro de um âmbito mais amplo de a reforma tributária, para que a gente não fique a todo momento precisando defender uma situação por conta de projetos de lei que trazem esse tipo de risco. Isso traz uma insegurança jurídica muito grande”.
Efeitos da decisão do STJ sobre o rol de serviços dos planos de saúde
Em junho, a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, após longa expectativa, que o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS é taxativo. Com esse entendimento, as operadoras de planos de saúde somente são obrigadas a cobrir aquilo que consta nesta lista. Os ministros estabeleceram que eventuais procedimentos com indicação médica, comprovação científica e sem equivalentes incluídos no rol têm espaço para ter a cobertura requisitada e acolhida pelo plano.
Entre os efeitos potenciais da decisão, está a preocupação de que a falta de cobertura de certos procedimentos ou serviços transfira a demanda, que antes seria atendida pelos planos de saúde, para o SUS.
“Ainda é cedo para entender dimensões dos impactos da decisão. Mas tudo o que afeta o bolso do cidadão acaba tendo consequências; as pessoas vão precisar buscar alternativas para continuar o seu atendimento de saúde. É difícil de mensurar, mas medidas dessa natureza tendem a ter reflexos para o SUS”, afirma.
De forma subsequente, isso poderia impactar a capacidade de o sistema público custear mais tecnologia, modificando o comportamento do mercado de saúde.
“Quando se trata de dispositivos médicos, há uma amplitude muito grande; são mais de 80 mil itens registrados na Anvisa que vão desde um abaixador de língua até um equipamento de altíssima tecnologia. Então o impacto deve variar de acordo com o grau de complexidade dos dispositivos e tecnologias”, diz.
Incorporação de tecnologias ao SUS
“Temos ainda outro desafio que é buscar um melhor entendimento sobre como fazer a incorporação de tecnologias de saúde, porque a modelagem existente hoje é muito voltada para medicamentos. Isso é necessário para que as incorporações de dispositivos médicos se deem de maneira adequada e em um espaço de tempo que não gere atraso tecnológico para o país”
Diferentemente dos medicamentos – que, além de aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), dependem de precificação da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) e só então são incorporados por recomendação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do SUS (Conitec) –, os dispositivos médicos não passam por todas essas etapas para chegar ao sistema público.
“O setor de dispositivos médicos é sujeito ao monitoramento por parte da Anvisa, então é um mercado que tem mais liberdade de precificação. Por isso, é difícil fazer a inferência direta de porquê o SUS não incorpora certas tecnologias, se é porque é caro ou outro motivo. A incorporação se dá dentro das disponibilidades que o sistema público tem, o que acontece em velocidade diferente do setor privado”
Oportunidades da telessaúde para o mercado
Em abril, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou o PL 1998/2020. A proposta regulamenta e define a prática da telemedicina – ou telessaúde, já que o texto abrange todas as profissões da área da saúde regulamentadas. Agora, ele depende de análise do Senado.
Ainda, o Conselho Federal de Medicina (CFM) aprovou a Resolução 2.314/2022 sobre telemedicina, em substituição à normativa anterior, de 2002, que vedava a modalidade. Na prática, ela dá ao médico autonomia para decidir se optará pelo atendimento presencial ou à distância – incluindo consulta, diagnóstico e cirurgia robótica, entre outros tipos de atendimento.
O avanço desse modelo gera expectativas de que novas tecnologias poderiam ser desenvolvidas para ampliar possibilidades de atendimentos à distância.
“A telemedicina amplia o acesso da população a tratamentos de saúde. Vivenciamos ao longo da pandemia muitos avanços tecnológicos em relação ao acompanhamento de saúde à distância, seja por meio de dispositivos de uso médico ou aplicativos de auto diagnóstico. Um exemplo é autoteste para Covid-19, que representou um avanço importante nesse período”, comenta.
“O setor de medical device é de inovação intensa. Entre 18 e 24 meses, passamos por inovações incrementais em grande parte dos produtos. Na medida em que se passa a usar mais a telessaúde, deve se pensar em mudanças que podem trazer um salto de inovação. E, obviamente, a cada momento em que se tem um certo aumento de amplitude das tecnologias, se gera uma ampliação de mercado”.
Fonte: JOTA. Leia matéria completa.