Com a incorporação do Zolgensma no Sistema Único de Saúde (SUS) na última semana, no dia 7/12, planos de saúde aventaram o debate sobre a criação de um fundo para bancar medicamentos contra doenças raras. O plano é que as médias e pequenas operadoras destinem recursos a essa reserva, que seria a responsável por custear o tratamento de cada paciente.
A ideia, inicialmente levantada para o tratamento da Atrofia Muscular Espinhal (AME) tipo 1, pode se estender a outras enfermidades raras. O tema ainda precisa ser discutido junto à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
O presidente da União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde (Unidas), Anderson Mendes, é um dos defensores da implementação desse fundo e afasta a possibilidade de judicialização dessa cobertura. Para o gestor, a discussão deve se centrar nas fontes de financiamento, já que o alto custo pode inviabilizar o funcionamento de planos de saúde de pequeno porte:
“Não é uma questão de mérito, que é totalmente aceitável. Não discordamos (da incorporação do Zolgensma). Mas precisamos buscar alternativas para viabilizar esse atendimento”, afirmou ao JOTA.
O Zolgensma custava cerca de US$ 2,1 milhões em 2019. O valor ultrapassa R$ 10,9 milhões de acordo com a cotação do dólar na quinta-feira (US$ 1 = R$ 5,22).
Ainda não se sabe o que deverá ser feito caso o valor total dos tratamentos ultrapasse o que for arrecadado pelo fundo. Uma das opções aventadas é delegar a cobertura à rede pública, mas cabe discussão. O SUS tem até junho, isto é, 180 dias depois da publicação da portaria da última quarta-feira, para disponibilizar o medicamento.
A ANS tem até fevereiro para incluir o Zolgensma (Onasemnogeno Abeparvoveque), em seu rol de cobertura obrigatória. O prazo de 60 dias pós-divulgação da portaria está fixado na lei 14.307, de março. O texto definiu novas regras para a atualização da lista.
Ao JOTA, a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) disse que as operadoras cobrirão o uso da terapia gênica assim que entrar no rol da ANS. Já a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde) informou que ainda aguarda o rito adotado pela agência para a inclusão do medicamento na lista.
A reportagem questionou ambas as entidades sobre uma possível judicialização dessa cobertura junto às Cortes superiores, a exemplo do que ocorreu com o piso da enfermagem no Supremo Tribunal Federal (STF) e com o rol da ANS. Não houve respostas.
Restrição de faixa etária reduzirá acesso a um dos medicamentos mais caros do mundo
A decisão do Ministério da Saúde de incluir o Zolgensma para o tratamento da AME tipo 1 no SUS animou pais, especialistas e a comunidade científica. Contudo, a limitação da idade a bebês de até 6 meses, fora de ventilação invasiva por mais 16 horas diárias, dificultará o acesso ao tratamento, avaliam médicos.
Dados do Instituto Nacional da Atrofia Muscular Espinhal (Iname) enviados à Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) apontam que, aproximadamente, 49% dos casos de tipo 1 da doença no Brasil são diagnosticados dentro da faixa etária. Segundo estudos, a taxa é maior nos Estados Unidos e na Europa diante do maior acesso a testes genéticos.
“(A restrição) vai limitar com certeza. Mas, pelo menos, um subgrupo poderá se beneficiar do tratamento e mostrar aos gestores que é seguro e eficaz”, resumiu o presidente do Departamento Científico de Genética da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Salmo Raskin.
Em entrevista ao JOTA, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, justificou que a definição de faixa etária para o Zolgensma atendeu a dados analisados pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec). O ministro negou já ter sido contra à inclusão da terapia gênica na rede pública apesar de ter declarado, em ocasiões anteriores, que o alto custo dela representava um entrave para a medida.
“A evidência científica, embora seja pouca, porque é uma doença rara, é abaixo de 6 meses. Também é necessário se verificar se a promessa de que as crianças não precisem de suporte ventilatório e não tenham déficit motor (será cumprida pela farmacêutica Novartis) e há como monitorar (isso)”, afirmou Queiroga.
A Conitec, subordinada à pasta, recomendou a inclusão dessa terapia gênica na rede pública semana passada, já chancelada pela publicação de uma portaria na última quarta-feira. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) deu aval ao medicamento para bebês de até 2 anos em agosto de 2020.
É difícil estimar o total de pacientes acometidos pela AME tipo 1. Isso porque o Brasil não dispõe de vigilância epidemiológica para doenças raras, explicam médicos cientistas consultados pela reportagem. Antes da incorporação ao SUS, o acesso ao tratamento vinha sendo judicializado caso a caso.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), doenças raras acometem, em geral, 65 a cada 100 mil pessoas. A projeção é de que existam cerca de 7 a 8 mil delas em todo o mundo.
Nesse cenário, uma das possibilidades levantadas é que o Brasil invista na prevenção, com a realização de testes genéticos em casais. Outra remete ao diagnóstico precoce da AME, com o teste do pezinho ampliado.
O presidente Jair Bolsonaro (PL) sancionou a lei que determina a realização do exame no SUS em maio de 2021. A cobertura é escalonada e a AME está na última etapa.
“Existem testes de triagem que podem ser feitos logo após o nascimento. Essa doença poderia ser prevenida testando portadores (dos genes SMN-1 e SMN-2). É uma herança autossômica recessiva em que a criança só vai nascer afetada se receber uma mutação do pai e outra da mãe para a doença. Poderia se fazer triagem dos casais antes de terem filhos, evitando o nascimento de uma criança com essa doença. O custo é altíssimo e, mesmo assim, metade do cobrado nos Estados Unidos”, explicou a bióloga molecular e geneticista Mayana Zatz, professora da Universidade de São Paulo (USP).
Fonte: JOTA. Leia matéria completa.