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Anvisa pretende manter regras editadas durante a pandemia, diz Barra Torres

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) avalia manter parte das resoluções adotadas durante a pandemia que poderiam ser revogadas com a flexibilização da emergência de calamidade pública. 

Em entrevista ao JOTA, o diretor-presidente da autarquia, Antonio Barra Torres, afirmou que a ideia é fazer as alterações necessárias para que as normas que trouxeram benefícios para o setor regulado permaneçam em vigor. Barra Torres falou sobre as ameaças sofridas por ele, demais diretores e pelos funcionários, a falta de proteção policial e os reflexos das mensagens de desinformação sobre vacinas para Covid-19. “Fruto da criminosa ação das fake news, há um mal que já está feito. E infelizmente não vejo recuperação imediata”, opinou. “Essas pessoas terão assento garantido perante a Justiça”, assegurou.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Regras mais simples

Nesta segunda (11/4), representantes da Anvisa tiveram uma reunião com equipe do Ministério da Saúde para discutir os reflexos da declaração do fim do estado de emergência em saúde pública. Barra Torres afirma que, na Anvisa, estudos já tiveram início. “A intenção é que aquilo que veio para o bem permaneça. A pandemia deu a tônica da tempestividade e da simplificação. As pessoas estavam e estão morrendo, graças a Deus, em menor número hoje. É mandatório a tempestividade, a ação imediata, no menor tempo possível”, afirmou. 

As consequências nos contratos firmados durante o período de emergência são a principal preocupação do setor. Levantamento feito pelo governo mostra que, somente no Ministério da Saúde, 170 medidas seriam impactadas. Análise da Anvisa, por sua vez, indica que na agência 70 resoluções seriam afetadas. 

Entre as normativas que podem deixar de existir estão a que estabelece os procedimentos e requisitos para submissão de pedido de autorização temporária de uso emergência de medicamentos e vacinas para Covid-19, a que estende as quantidades máximas de medicamentos sujeitos a controle especial e a que definiu os procedimentos extraordinários e temporários para a rotulagem e bulas de medicamentos. 

“Numa análise rasa, tudo isso cairia se a gente não tiver mais o status de emergência em saúde pública, mas obviamente não podemos ser escravos de documentos”, destaca Barra Torres. 

De acordo com Barra Torres, os diretores já avaliam quais dessas medidas precisarão de mudanças para que não haja transtornos quando o Ministério da Saúde decidir flexibilizar o estado de emergência sanitária. 

“Não posso dizer que 70 RDCs se tornarão uma, nem dizer que 70 RDCs se tornarão outras 70 de acordo com a nova realidade. Nós não estamos preocupados com essa questão quantitativa, a análise é mais profunda. A análise é qualitativa, do mérito de cada uma dessas RDCs e a necessidade de adequá-las, distingui-las, postergá-las com alguma sustentação jurídica necessária, num processo que eu penso que é um processo normal que tem que acontecer”, completa.

Projetos do Congresso e atribuições da Anvisa

Outra preocupação do diretor é com os projetos que tramitam no Congresso e reduzem as atribuições da agência. Recentemente, os parlamentares aprovaram um texto que autoriza a prescrição de remédio no Sistema Único de Saúde (SUS) com indicação diferente da prevista pela autarquia. No Senado, tramita uma proposta que extingue o Sistema Nacional de Controle de Medicamentos (SNCM), que seria criado pela Anvisa (PL 3.846/2021). 

Segundo Barra Torres, essas mudanças podem reduzir a credibilidade da agência reguladora e afastar investidores do Brasil. “É uma questão da sobrevivência da agência, a sobrevivência que foi arduamente conquistada ao longo de 23 anos, que é inclusive o respeito internacional que o Brasil tem graças à Anvisa no cenário internacional. Isso precisa razoavelmente ser preservado. Tem um impacto econômico direto. O investidor quer um cenário regulatório claro e definido”, defende. 

Em relação ao projeto que cria novas regras para a bula e rastreabilidade de medicamentos, o diretor afirma que a opção mais adequada seria prorrogar por três anos a implantação do SNCM, a partir de 28 de abril. Ele reconhece que a pandemia trouxe dificuldades para o setor e que as empresas menores ainda não conseguiram se adequar às exigências da lei. 

“É claro que é melhor ter um sistema que nos indique o que está acontecendo em tempo real. Então, o nosso esforço é para defender a possibilidade desses três anos começarem a contar agora, ao invés de se extinguir”, diz. 

Cargos

O diretor-presidente também pretende convencer os parlamentares a aprovarem leis que criem mais cargos para a agência. Hoje, a Anvisa tem aproximadamente 1,6 mil servidores. Desses, 600 já podem deixar as funções por já terem direito à aposentadoria. Metade deles atuam no setor de portos e aeroportos. 

De acordo com Barra Torres, apenas a realização de concurso não resolveria a falta de funcionários. “Nós temos que ter aumento no número de vagas. Se isso não acontecer em curto prazo, o país terá de fazer escolhas, o que vai regular no escopo da Anvisa. Não poderá ser mais esses 22,8% do PIB”, afirma. 

O presidente da Anvisa argumenta que a agência, além da missão sanitária, tem um papel fundamental na regulação do mercado. Quanto o setor regulatório é forte, independente, há um ambiente propício para atrair investidores estrangeiros. E o oposto, completa, é a lei do mais forte. “Aí entra o aventureiro, não o investidor.” Barra Torres diz não ter dúvidas de que, sem profissionais em número adequado, será preciso deixar de regular alguns temas, causando reflexo na credibilidade do país o que levará a uma redução dos investimentos. 

Anvisa e a política

Barra Torres diz estar convicto que a projeção da agência ao longo da pandemia despertou um maior reconhecimento entre a população, mas, ao mesmo tempo, pensamentos que estavam há tempos adormecidos. Como o que questiona o poder das agências. Num ano eleitoral, completa, esse fenômeno fica ainda mais evidente. Como exemplo, ele cita a veiculação de mensagens de desinformação. “Fake news deram uma arrefecida, não? Até há algum tempo, era absurda a quantidade dessas mensagens sobre vacinas. E mesmo as ameaças deram uma esfriada. O que me leva a crer que a motivação daquilo nunca foi realmente medo de danos à saúde. Foi uma questão política. O número de ameaças caiu”, conta. De acordo com o diretor-presidente, essas mensagens, que chegaram a 178 num dia, agora são registradas a cada dois, três dias. “A tônica política dessa discussão é fortíssima. E nossa luta é manter o tema do muro para fora.

A falta de proteção diante das ameaças

Apesar de as ameaças a servidores e diretores da agência terem se tornado públicas, Barra Torres afirma que não chegou a seu conhecimento medida de proteção efetiva. De acordo com o presidente, foi ofertado ao corpo técnico proteção semelhante à que é dada no programa de proteção de testemunhas. A adesão a esse programa, completa, em última análise significaria concordar em não usar o celular, o computador, mudar de casa. Em outras palavras, algo que impossibilitaria todos de trabalhar da forma adequada, sobretudo num momento de pandemia. “Obviamente, nem sequer respondemos a essa oferta. Permanecemos esse tempo todo , ao nosso conhecimento, sem proteção policial de quem quer que seja… Mas aí você vai me perguntar: ela não existiu? Às vezes existem proteções secretas, como alguém disfarçado de vendedor de cachorro quente Mas você vai perguntar: você tomou conhecimento? Não, não tomei. Então para mim não existiu.”

O trabalho durante as ameaças

Barra Torres não tem dúvidas ao dizer que a falta de proteção diante da onda de ameaças afetou o trabalho dos profissionais. “Porque  ninguém é de ferro. Essas pessoas que têm filhos, pai, mãe, marido, companheiro, companheira. Todos eles estavam no limite de sua capacidade porque, volto a dizer, o número de profissionais é reduzido e o trabalho é gigante. Com pandemia, acabou horário, férias, fim de semana. Fora a sobrecarga, a pressão, eles tinham de lidar com emails com ameaças de morte, de agressões, de humilhação. O que mais impactou não foi isso. A ameaça em grande parte é fruto da ignorância. O que impactou mais foi não ter uma resposta concreta, foi o desamparo. O servidor se viu sozinho. Amparado internamente por nós, entre nós. A agência se amalgamou. Nada melhor do que conhecer uma pessoa do que trabalhar com ela. Com o perdão do trocadilho com meu nome, muita gente segurou a barra do outro. Estamos sozinhos? Então vamos embora. A gente se segura. Foi o que a gente fez. A ameaça vem do bandido. A proteção vem da autoridade pública. E ela não veio, infelizmente.”

Banco dos réus

O diretor-presidente da Anvisa afirma que a desinformação em torno das vacinas para Covid-19 entre crianças acabou trazendo reflexos negativos para outras vacinas.

Barra Torres cita como exemplo o estudo recente da Fundação Oswaldo Cruz mostrando um aumento expressivo de casos de internação por Síndrome Respiratória Aguda Grave (Srag) entre crianças. “Essa sigla não traduz nem de longe o que isso é. Imagina você inspirar e o ar não chegar. É um afogamento a seco.”  O diretor continua afirmando que aqueles que transmitiram informações falsas sobre a vacina contra Covid-19 para crianças tiveram uma vitória momentânea. “Mas terá sobre os ombros a mortalidade dessas crianças. E vai ter também a lembrança dos pais das crianças. Pai e mãe que perde um filho por causa que poderia ser evitada não esquece. Isso será levado à Justiça. Pode demorar. A Alemanha até hoje leva a julgamento centenários que tiveram envolvimento com o que aconteceu de 1939 a 1945 . Essas pessoas terão assento garantido perante a Justiça” Quando questionado se o presidente Jair Bolsonaro estaria nesse grupo, Barra Torres respondeu: “Quando falo todo tipo de pessoa não tem balizador limitador. A frase é literal, toda pessoa que vem com uma mentira sobre a saúde de terceiros. Todo mundo. Se você pega um megafone vai para praça dizer faça isso e isso gera consequência para vida daquela pessoa tem que saber do que está falando.”

Fonte: JOTA. Leia matéria completa.

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