A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) pode incluir, pela primeira vez, em um Termo de Compromisso de Ajuste de Conduta (TCAC), a obrigação adicional de investimento no combate à Covid-19. Em troca, o acordo com a Hapvida, ainda em fase de avaliação pela diretoria colegiada, possibilita que multas decorrentes de irregularidades sejam atenuadas.
O documento prevê a destinação de R$ 11 milhões para a aquisição de insumos e de equipamentos hospitalares, além da ampliação de leitos de internação e de unidades ambulatoriais. A Hapvida é uma operadora de plano de saúde que possui modelo verticalizado, ou seja, tem sua rede própria de atendimento aos beneficiários.
Essa é a primeira vez que a a ANS avalia a aprovação de um TCAC nesse formato.
A votação do acordo pela diretoria colegiada da ANS foi iniciada dia 21 de julho deste ano, quando o titular da Diretoria de Fiscalização, diretor substituto Maurício Nunes, apresentou o voto condutor favorável. Em seguida, o diretor substituto Bruno Martins pediu vista do processo.
Inicialmente, a proposta feita pela Hapvida era a de substituir as multas decorrentes de processos sancionadores pelo investimento, mas houve objeção por parte da Procuradoria Federal junto à ANS, segundo o que foi apresentado na reunião.
A solução encontrada pela atual equipe de Fiscalização foi o uso do investimento de R$ 11 milhões como um atenuante. Se este arranjo for aprovado, a operadora poderá pagar 5% do valor total das multas relacionadas aos processos sancionadores objetos do acordo, o equivalente a R$ 560 mil, somados a quase R$ 400 mil de indenizações aos beneficiários prejudicados.
Os valores arrecadados com multas pela ANS são, tradicionalmente, depositados na Conta Única da União para custear as despesas fixas e variáveis da agência. Nesse caso, a apresentação da proposta deu a entender que o dinheiro poderá ser investido na própria rede da Hapvida.
No dia 11 de agosto, o diretor Bruno Martins informou, durante reunião de diretoria colegiada, que pediria diligência nesse processo com o objetivo de solicitar informações adicionais à diretoria relatora e à Procuradoria Federal Junto à ANS. No momento, o documento está passando por avaliação jurídica.
Proposta é questionada
Ana Carolina Navarrete, coordenadora do programa de Saúde do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), avalia que a proposta é problemática. “Parece, no final das contas, que você não está aplicando sanção, mas devolvendo o recurso para a própria operadora”, disse. Outras fontes ouvidas reservadamente pelo JOTA avaliaram que a matéria precisará ser analisada com cautela.
Uma das questões a ser avaliada é se o investimento se confundiria com o próprio negócio ou se seria feito exclusivamente em razão da ampliação do atendimento para Covid-19. Isso porque, em caso de aumento do número de beneficiários, a expansão da rede é uma necessidade. Também há estranhamento quanto ao agrupamento de infrações diferentes em um mesmo TCAC, o que poderá resultar na aplicação de multa única e de menor valor.
O termo a ser celebrado com a operadora, caso haja aval da diretoria colegiada, visa ao ajustamento de condutas tipificadas nos artigos 57, 71, 77, 76-B, 78 e 82 da RN nº 124, de março de 2006, em apuração nos processos administrativos sancionadores elencados nos anexos I a V do documento, que não foi divulgado.
Os dispositivos tratam das seguintes irregularidades: aplicação inadequada de reajuste; descumprimento de regras de regulação do uso dos serviços de saúde; negativa de atendimento previsto no rol; descumprimento de normas relacionadas à solicitação de cancelamento de contrato individual ou exclusão de beneficiário em plano coletivo; descumprimento de obrigação contratual; e suspensão unilateral de contrato.
O JOTA solicitou à ANS a documentação referente à votação do TCAC, mas a agência negou o envio no dia 23 de julho, argumentando que se trata de documento preparatório. A solicitação foi, então, feita também por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI). Depois de três negativas, a reportagem aguarda a resposta do recurso interposto à Controladoria-Geral da União (CGU).
A reguladora também recebeu os seguintes questionamentos da reportagem: se o investimento de R$ 11 milhões seria feito em rede própria ou se haveria alguma vedação nesse sentido; se esse formato de TCAC poderia incentivar infrações; se esse formato poderá ser utilizado por outras operadoras; e quais foram os critérios considerados para a proposta com a Hapvida. Não houve respostas.
“A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) informa que, em razão do pedido de vista pelo diretor de Gestão substituto, Bruno Rodrigues, não houve deliberação pela Diretoria Colegiada da ANS quanto ao TCAC com a Hapvida. Sendo assim, não é possível tratarmos de detalhes do processo até que haja a devida deliberação pelo Colegiado, uma vez que o processo continua com acesso restrito”, diz a nota enviada.
Procurada pela reportagem, a Hapvida enviou a seguinte nota à reportagem:
“A operadora está sempre disponível ao diálogo e aberta a progredir e por isso, entende que o TCAC – Termo de Compromisso de Ajuste de Conduta é um processo natural para ajustar as melhores práticas de empresas em diversos setores.
A operadora ressalta que ainda não celebrou esse tipo de acordo junto à ANS – Agência Nacional de Saúde. Caso ocorra, se comprometerá a cumprir os tópicos estabelecidos em prol dos beneficiários. A operadora não mede esforços para oferecer sempre a melhor assistência de saúde aos clientes”.
Fonte: Jota. Leia matéria completa.