No intuito de colaborar com o aperfeiçoamento constante dos nossos Conhecedores em relação à proteção de dados, informamos que no dia 3 de maio de 2022 foi publicada pela ANPD um texto para a discussão sobre o Estudo Técnico intitulado “A LGPD e o tratamento de dados pessoais para fins acadêmicos e para a realização de estudos por órgão de pesquisa“.
O referido texto tem por objetivo fazer uma análise de caráter preliminar com vistas a fomentar o debate público e subsidiar futura tomada de decisão sobre o tema pela ANPD. Pela importância do tema, vamos resumir o conteúdo por tópicos:
Aspectos gerais
1) A LGPD estabeleceu um regime jurídico especial para o tratamento de dados pessoais para fins acadêmicos e de realização de estudos e pesquisas.
2) A LGPD deve ser sempre interpretada conforme a concepção de pluralismo de idéias, liberdade de manifestação de pensamento e a promoção da inovação científica no país (art. 2, III e V).
3) A LGPD é afastada parcialmente para fins acadêmicos, ou seja, mesmo em hipóteses que poderia ser aplicada a LGPD em um contexto acadêmico, isto deve ser feito em harmonia como livre exercício de tais atividades (art. 4o, II, b).
4) Os art. 7o, IV e 11, II, c estabelecem uma base legal que autoriza o tratamento (e o acesso) de dados pessoais/sensíveis para a realização de estudos por órgãos de pesquisa, garantida a anonimização sempre que possível.
5) Há o expresso reconhecimento da LGPD para o reconhecimento da legitimidade da utilização de dados pessoais para fins de estudos e pesquisas.
6) A LGPD prestigia a inovação científica no país (art. 16, III), o que permite a guarda de dados para estudos por órgãos de pesquisa (estudos de caráter histórico, tecnológico, científico, e estatístico).
7) Estudos por órgãos de pesquisa possuem interesse público, e em qualquer área devem observar a adoção de medidas protetivas necessárias e adequadas para a mitigação de riscos aos titulares de dados pessoais, em especial quando tratam de dados sensíveis (raça, etnia, convicção religiosa, opinião pública).
8) O art. 13 ratifica a autorização para o acesso a dados pessoais para estudos e pesquisas no campo da saúde pública, desde que observadas medidas de prevenção e segurança, de modo que os dados devem estar em uma ambiente seguro, anonimizados e pseudonimizados, garantida a confidencialidade e privacidade dos titulares. Isso significa que o tratamento nestes casos deve ocorrer dentro do órgão e estritamente para a pesquisa, vedada a transferência para terceiros. O sigilo aplicado é igual ao de médicos e advogados (vide Cartilha do Conselho de Saúde de 2020 e Resolução CNS n. 466/22).
Tratamento de dados pessoais para fins acadêmicos
1) O afastamento da LGPD para fins acadêmicos só ocorre quando o tratamento de dados pessoais esteja estritamente vinculado ao exercício da liberdade acadêmica, em geral exercida em ambientes propícios à exposição e debate de ideias, tais como salas de aula, congressos e seminários científicos. Mesmo assim, o tratamento deve ser lícito e amparado nas bases legais da LGPD, ou seja, o afastamento não é integral.
2) Não se pode não se pode admitir a interpretação abrangente do afastamento da LGPD para fins acadêmicos ou a sua utilização abusiva, em particular se aplicada com o fim de contornar determinações legais ou, ainda, de amparar a realização de tratamentos de dados pessoais sem as devidas salvaguardas técnicas e jurídicas exigidas pela LGPD.
3)É necessária a observância plena da LGPD sempre que o tratamento de dados pessoais atender a outros fins que não aqueles estritamente vinculados à livre expressão acadêmica. Um exemplo é o tratamento de dados realizado por instituições de ensino para fins administrativos, ainda que possua algum vínculo indireto com ações acadêmicas, deve respeitar integralmente a LGPD. Exemplo: coletas de dados pessoais para matrículas.
4) A flexibilização das regras de proteção de dados pessoais para fins acadêmicos não deve ser apropriada indevidamente pelo setor privado, ou seja, não pode ser utilizada a fim de isentar sociedades empresárias e outros agentes de tratamento de cumprir as obrigações previstas na legislação de proteção de dados pessoais.
5)ATENÇÃO: Atividade acadêmica tem que ser exclusivamente acadêmica. Nos casos de parcerias entre órgãos de pesquisa e entidades privadas, com o eventual tratamento de dados pessoais para o desenvolvimento de atividades comerciais no ambiente corporativo, é fundamental o cumprimento da LGPD com a definição de bases legais, responsabilidades, natureza, dentre outros aspectos do tratamento. Consultorias contratadas para tratamentos de bancos de dados destinados a trabalhos pré-definidos com resultados não disponibilizados publicamente não são consideradas pesquisas.
6) O tratamento de dados pessoais cujo acesso é público no ambiente acadêmico também deve observar a LGPD, em especial uma base legal apropriada e respeitar a finalidade, boa-fé e o interesse público.
7) O tratamento de dados pessoais para fins acadêmicos também pode se basear no art. 13 da LGPD.
Tratamento de dados pessoais para a realização de estudos por órgão de pesquisa
1) Quando o tratamento de dados tiver como base legal a realização de estudos por órgão de pesquisa, é possível que TAMBÉM possa ser exigido o consentimento. É plenamente possível que o consentimento seja dispensável do ponto de vista da legislação de proteção de dados pessoais e necessário do ponto de vista ético.
2) Para se enquadrar na base legal estudos por órgão de pesquisa, os estudos deverão ser desenvolvidos por órgãos de pesquisa, ou seja, órgão ou entidade da administração pública direta ou indireta ou pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos legalmente constituída sob as leis brasileiras, com sede e foro no País, que inclua em sua missão institucional ou em seu objetivo social ou estatutário a pesquisa básica ou aplicada de caráter histórico, científico, tecnológico ou estatístico (art. 5º, XVIII). Exemplos: instituições de ensino superior, públicas ou privadas sem fins lucrativos, centros de pesquisa nacionais e entidades públicas que realizam pesquisas, tais como o IBGE e o IPEA.
3) Pessoas jurídicas de direito privado com fins lucrativos, mesmo tendo dentro das suas finalidades constitutivas a pesquisa, não podem usar a base legal para órgão de pesquisa, devendo usar outra base legal.
4) Mesmo usando a base legal órgão de pesquisa, as entidades devem usar sempre que possível a anonimização e/ou pseudonimização de dados.
5) O agente legitimado à utilização da base legal em estudo é o próprio órgão de pesquisa, seja ele um órgão ou uma entidade pública ou uma pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos. Por isso, não se admite a utilização desta base legal por pessoas naturais que atuem em nome próprio ou sem qualquer vínculo com um órgão de pesquisa.
6) Entende-se prudente que, em momento anterior à realização de uma operação de tratamento, como no caso de compartilhamento de dados pessoais para fins de pesquisa, seja confirmada, pelos meios legítimos, a ciência do órgão de pesquisa quanto à realização do estudo e o seu compromisso de cumprir as disposições pertinentes da LGPD. Para tanto, podem ser adotados documentos dos quais constem informações básicas relativas ao estudo a ser desenvolvido, com a indicação dos indivíduos responsáveis pela sua condução e dos tipos de dados pessoais que serão objeto de tratamento.
Portanto, estes são os aspectos gerais do trabalho, mas recomendamos a sua leitura integral.
Luiz Fernando Picorelli
Consultor jurídico
DPO certificado ITCERTS (Canadá)