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A Seae propôs novas normas que criam critérios para definição de preços de novos remédio

Em 30 de julho de 2021, a Secretaria de Advocacia da Concorrência e Competitividade (Seae), ligada ao Ministério da Economia, abriu consulta pública para alteração da Resolução n° 2/2004, editada pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (Cmed). As normas propostas criam critérios para definição de preços de produtos novos – aqueles medicamentos feitos a partir de moléculas inovadoras que chegam ao país – e novas apresentações de fármacos já existentes.

Segundo informado na reunião de lançamento da proposta, que contou com ampla participação da indústria farmacêutica, a preocupação central da iniciativa seria incorporar critérios para inovação incremental e renovar os parâmetros para precificação de categorias não contempladas na resolução vigente, como é o caso dos medicamentos biológicos.

Alguns aspectos procedimentais, formais, substantivos e de natureza institucional ligados desta consulta pública  chamam atenção e, a bem da verdade, preocupam. De largada, o prazo de apenas trinta dias, há pouco prorrogado por mais trinta, para o envio de contribuições. Do ponto de vista procedimental, é preciso ressaltar que o tempo inicialmente concedido não dava conta de permitir ampla participação social. A complexidade do tema – a regulação do preço de medicamentos, suas minúcias e nuances técnicas – e o esforço de mobilização da sociedade civil e da academia foram subestimados.

Mesmo que isso não seja algo intencional, consultas públicas feitas a toque de caixa soam mais como procedimentos chancelatóriosde decisões já tomadas – apenas uma formalidade, portanto – do que como mecanismos de coleta de informações e contribuições destinadas a legitimar a tomada de decisão por parte do regulador. Por isso, o debate público se beneficiará da bem-vinda extensão de prazo para manifestações no âmbito da consulta – ainda que, ressalte-se, serão no total apenas sessenta dias, possivelmente ainda insuficientes, dado que o assunto é de fato intrincado para a maior parte dos eventuais interessados.

Ainda do ponto de vista formal, espera-se que a Seae apresente, tornando-os de acesso público, os estudos que fundamentam as propostas de mudanças regulatórias. Igualmente, e em nome da coerência, o órgão deverá tornar pública e disponível a interessados a análise de impacto regulatório (AIR) realizada para esta e outras iniciativas de alteração da Resolução n° 2 da Cmed. Entre outras, algumas questões-chave se põem: que parâmetros quantitativos, referências internacionais e standards regulatórios foram adotados, em detrimento de que alternativas? Espera-se, assim, que a fundamentação da proposta de mudança seja embasada em premissas claras e compartilhadas com toda a coletividade, não apenas com a indústria farmacêutica.

É importante reforçar que a proposta de alteração das regras de precificação de medicamentos de que trata a consulta pública incorpora vários comunicados e entendimentos da Cmed editados após a aprovação da resolução cujos contornos se discute. Tal fato suscita aspectos críticos quanto à segurança jurídica de modo geral, bem como no que diz respeito à consistência e à qualidade regulatória, em particular.

Do ponto de vista da substância, há igualmente questões a serem esclarecidas – por exemplo, o novo critério para definição de preço-teto de medicamentos biológicos não novos, fixado em 80% do valor do medicamento comparador.

Há pouca clareza sobre a origem e a composição desse percentual e sobre se há risco de elevação do preço máximo se comparado com o critério atualmente adotado para o estabelecimento de preço de biossimilares. Vale lembrar que essa classe de medicamentos já enfrenta concorrência limitada por conta de especificidades regulatórias (não existe medicamento genérico) e barreiras tecnológicas, tornando ainda mais importante e justificada a regulação de preços.

A consulta pública, ademais, não fez menção a debates prévios e pertinentes realizados pela própria Cmed, pelo Tribunal de Contas da União (TCU), pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e pelo Congresso Nacional. Tampouco está em consonância com as diretrizes internacionais da Organização Mundial da Saúde (OMS), o que pode suscitar dúvidas sobre aderência a tratados e compromissos assumidos pelo Brasil no campo da regulação do mercado farmacêutico.

Por fim, do ponto de vista institucional, causa estranhamento o fato de que a proposta de alteração regulatória parte do Ministério da Economia e não do próprio órgão regulador responsável por editar tais normas – a Cmed. Mais preocupantes ainda são os rumores de que a Cmed, hoje sob  a secretária-executiva da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), seria realocada no Ministério da Economia.

A Cmed foi constituída sob a Anvisa com vistas a garantir que a diretriz principal do órgão seja a de promover a assistência farmacêutica (art. 1º da lei 10.742), essencial à efetivação do direito à saúde.  A escolha original foi feita considerando ainda as necessidades de capacidades técnicas há anos desenvolvidas e acumuladas pela Anvisa para conceber, formular e pôr em prática a complexa regulação de preços de remédios no país – um acúmulo de aprendizado e de expertise muito diferentes dos que possui o Ministério da Economia.

Alinhada com boas práticas internacionais, a regulação da Cmed abrange análises e considerações sobre o benefício clínico de medicamentos. Essas análises, bom lembrar, demandam a existência de corpo técnico da área farmacêutica que inexistem em outros órgãos governamentais no plano federal. Que boas razões, então, motivam e justificam um eventual traslado institucional da Cmed da área da saúde (Anvisa) para a Seae (Economia)?

Há, enfim, motivos de sobra para se ter cautela num momento como este. Regular mercados de saúde, caracterizados por inúmeras falhas, mas também por desafios de política pública, é uma missão delicada e multidisciplinar, que não pode prescindir do olhar de saúde pública.

No mercado de medicamentos, uma boa regulação – efetiva, transparente e participativa – é o único remédio para uma formação eficiente, mas também justa, dos preços dos remédios, que são bens essenciais para toda a população. Se essas preocupações não forem endereçadas, o remédio pode virar veneno, com prejuízos variados sobretudo para a população mais pobre do país.

Fonte: Jota. Leia matéria completa.

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